p Clarice, me dá tua mão. /p p Tudo parece de novo impossível nesse frêmito de eternidade que é o presente, mas confio na nossa aproximação: aconteceu daquela vez o impensável; adaptar i A paixão segundo G.H. /i para o teatro. Não fui sozinha como você, embora quando estive ali, cara a cara com a barata, era eu mesma, sozinha como um caco de vidro, um cachorro e uma galinha estão sós e cara a cara. /p p Com o quê? /p p Consigo. /p p Eu fui, ao encarnar durante mais de dois anos a G.H. num monólogo para o teatro adaptado por Fauzi Arap e dirigido por Enrique Díaz , uma pessoa sem a pessoa que eu era antes para fazer companhia para mim mesma. Fui perdendo as cascas, o invólucro, mergulhando em águas cada vez mais densas e profundas, perdendo o contorno humano, transladei para outra, outro lugar, i desconhecido, terrível /i e i maravilhoso /i , que não eu. /p p Mas houve as mãos que me ajudaram na travessia. /p p As suas mãos, Clarice. /p p As suas mãos de escritora que tantas vezes anseiam as nossas para irmos contigo, nessa grande odisseia de uma mulher que viaja para dentro de si e se despersonaliza. Ela desvira o Eu. Ela se te revira. Não é brincadeira o que acontece aqui, é coisa que se lê e se toma e entra no próprio sangue, é saber xamânico, potente, destruidor e revivificador. Nada se cria sem desfazer essas camadas de noções fossilizadas sobre nós mesmos e o mundo. Tuas palavras agem sobre mim, ainda e sempre. /p p Agora, neste ano de 2020, é seu aniversário de 100 anos. /p p i A paixão /i foi escrito em 1964. Imagino você aqui escrevendo sobre o agora, o momento presente atravessando as paredes de sua casa e de seu corpo e se metamorfoseando em palavras que você escreve e essas palavras agem, transformam a vida. /p p Nós estamos olhando a vida que se nos olha, Clarice. /p p A vida se nos é, e se me é, tão radicalmente agora, que voltei a andar com teu livro colado em mim. Livro que é registro desse tempo eterno onde fracassamos e vamos de novo, com o fracasso das nossas existências e palavras. /p p Das milhares de apresentações possíveis que eu poderia fazer, eu escolho dizer sim; sim, leia este livro como experiência que se vive. Entrar pelo corpo, e ir com as palavras mais pelo que elas fazem do que pelo que elas falam , ir com G.H., atravessando esses portais e ir se perdendo nas paredes, nos hieróglifos da casa, nas marcas deixadas pelo outro, e ir indo, parando e recuperando o fôlego até mergulhar completamente nesta obra extraordinária que nunca mais vai parar de acontecer. /p p b Mariana Lima /b , i Atriz e produtora /i /p
Peso: | 203 g. |
Páginas: | 192 |
ISBN: | 9786555320060 |
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